"Se sociedade e o Estado são laicos, porque lecionam ensino religioso nas escolas públicas e se comemoram com feriado nacional apenas datas cristãs?"
Acho que todo mundo já se perguntou isso alguma vez. E nessa semana santa, estas questões sempre voltam.
Laico [...] adjetivo3 que é independente em face do clero e da Igreja, e, em sentido mais amplo, de toda confissão religiosa (Dicionário Houaiss)
Para entender, precisamos voltar no tempo: desde as primeiras civilizações, era comum a idéia de que o poder dos governantes emanava das divindades, ou que os próprios governantes eram, senão uma representação, a própria divindade em pessoa! E isso se estendeu por tempos. Ainda no século XVI o direito divino dos reis era defendido, e isso fundamentava o absolutismo. Ou seja: o poder dos governantes era por vontade divina, e seu poder, absoluto. O rei era o governante, o juiz, o legislador e a igreja. Opositores do regime, infratores das normas estabelecidas por ele ou infiéis da religião adotada naquele Estado eram perseguidos, encarcerados ou mortos, simples assim.
Até pouquíssimo tempo, era assim que a política funcionava! O imperador japonês só foi considerado oficialmente humano, e não uma divindade, após a II Guerra Mundial, como imposição dos vencedores (Aliados) ao Japão. Alguns estados muçulmanos até hoje compõe um regime de sistema político-religioso, onde o líder religioso é o governante, e até mesmo os EUA mantêm tradições religiosas protestantes em sua política e modo de vida.
“Os laços que unem a vos, nossos súditos, não são o resultado da mitologia ou de lendas. Não se baseiam jamais no falso conceito de que o imperador é deus ou qualquer outra divindade viva.” (Declaração da condição humana do imperador Hiroito, 1946)
Com o tempo (e com as revoluções) esse sistema caiu ao menos na maioria das nações. Houve um processo de separação entre Estado e Religião, onde cada um deles segue de forma independente. E temos a hoje a política desvinculado do cunho religioso (ao menos em teoria).
No Brasil, o catolicismo era religião oficial e dominante. As outras religiões eram apenas toleradas, mas proibidas de promoverem cultos públicos, somente reuniões em âmbito doméstico. A Constituição do Império, de 1826, por exemplo, foi promulgada por Pedro I em nome da “Santíssima Trindade".
Ainda hoje, o Brasil não é totalmente laico, mas passa por um processo de “laicização”. Isso ganhou forca definitiva com a atual Constituição, de 1988, a "Lei Mãe" do nosso pais. La, a expressão "Estado laico" não consta de forma literal, mas isto é encontrado de forma implícita.
Diz o art. 19, I da nossa Constituição:
"É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público."
Porém, percebemos que o Brasil não é fundamentalmente um país laico, ao ler o Preâmbulo da própria Constituição:
[...] promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Outros fatores continuam nos mostrando que a laicidade ainda não é plena: os feriados são essencialmente, datas cristãs; vemos símbolos religiosos nas repartições públicas, inclusive nos tribunais, sendo tema de grande discussao; vemos principalmente, que as sociedades religiosas não pagam impostos (IR, IPTU, ISS...), e recebem subsídios financeiros; vemos o ensino religioso como parte do currículo das escolas públicas, onde seu conteúdo pode ser definido basicamente como “ensino-religioso-cristão", preterindo as outras religiões.
Constatamos também que desde muito tempo, convivemos com grande representatividade de grupos religiosos na política, exercendo forte pressão. Eles defendem seus interesses e dificultam a promulgação de leis em prol da pesquisa científica e dos direitos sexuais. A possibilidade legal de separação e divórcio por exemplo, só foi instituído, por lei do Congresso Nacional, em 1977 depois de longa e sistemática batalha contra a oposição do clero da Igreja Católica.
Importante destacar que, em alguns estados, os professores de ensino religioso são funcionários públicos. Ou seja, dinheiro público de cristãos, judeus, budistas, kardecistas, hindus, macumbeiros, ateus... Se é inegável a tradição cristã do povo brasileiro, também é inegável o crescimento de outras religiões, que não concordam com este cenário.

Interessante destacar, por exemplo, que na Suíça, no art. 49 de sua Constituição, determina que “ninguém poderá ser obrigado a pagar impostos cujo produto se destine a subvencionar o culto de uma comunidade religiosa à qual não pertença”. É então que percebemos o perigo de se privilegiar uma religião dentro de um Estado Democrático.
Entretanto, é um grande erro cair em processo de secularização extrema. Pois, do mesmo modo que um Estado-Religioso prejudicaria a diversidade, um Estado-Secular prejudicaria as tradições, ferindo liberdades individuais de expressão religiosa e preservação da cultura, como no caso em que negam verbas públicas para restauração de igrejas históricas ou monumentos religiosos, ou como no caso da Franca, 5 milhões de muçulmanos, e ainda assim o Presidente quis proibir o uso da burka.
Estado laico não é um Estado sem Deus.
O bom senso é sempre o melhor caminho. Feliz Pascoa!
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ATUALIZAÇÃO:
O governo do RJ renovou no dia 09/03/10 um convênio com um médium da Fundação Cacique Cobra Coral, sob argumento de que este era capaz de controlar as chuvas no estado. Hoje, 06/04/10, o mesmo Rio de Janeiro sofreu com o maior volume de chuva dos últimos 30 anos, causando um caos nunca visto na cidade e dezenas de mortos...
Este post fundamenta os perigos deste tipo de relação Estado/Religião, quase que antevendo esta grande polêmica que estava por vir.
10 comentários
Na minha opinião, o governo deve ver pela maioria. Se a maioria da população é cristã, então as leis devem suprir a mioria. Semrpe com respeito. Desse jeito dá certo, né?!
Religião é muito polémico, sério mesmo!
B-byyye!
muito interessante seu texto como sempre vc muito criativo adoro esses texto seu....coisas de fabio hehehe bjus adoro vc baby
Não sei se pelo meu estado de sono, ou, falta de interesse no tema. Não acho importante falar sobre estas “doutrinas”, mas como você mesmo colocou: O bom senso é sempre o melhor caminho.
Então, parabéns pela organização e visual do seu blog! Abraço - Victor
nossa... que blog bom!
inteligente... faz sentido...
o feriado é mais por uma questão de costume e histórica do que uma questão de desrespeito ao livre harbítrio...mas é preciso sim pensar sobre isso!
bjus ;**
Não dá para ter tolerância com a intolerância religiosa. e todso religioso é intolerânte a sua própria maneira. a crença no0 sobrenatural deveria ser combatida abertamente pelo estado.
Eu ia morrer sem saber o que era laico.
Religião eu gosto de debater,mas com gente que tem mente aberta.
seu blog é bem inteligente,não é pra qualquer um.
quando teve ensino religioso na minha escola a professora falo de todas as religiões foi mto legal
mas o Brasil tem a maioria católica então ja viu né tem q agradar maioria nem pode falar mal de padre safado pedofilo
muito interresante, faz a gente pensar.
uma assunto diferente dos normais a serem questionados mais vc questionou muito bem.
se puder da uma passada no meu blog e comenta minhas composiçoes adoraria ver sua opinião
http://thamyzinhaeminhascomposicoes.blogspot.com/
xau
Geralmente nem tenho muita paciência com essas coisas de igreja, política, atualidades no geral. Mas sabe que seus textos me fizeram repensar essa falta de paciência. Muito bom!
bjs.
Como sempre ótimos textos.
Já havia me perguntado a questão inicial do post.
Muito bom o seu ponto de vista.
Box 81 também é cultura,
é bom ve-lo postar novamente.
já estava com saudades
;)
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